terça-feira, 28 de abril de 2015

Dica de Livro: A Pré-História da Mente




Será possível entender a  evolução humana observando o comportamento do homem e dos símios (macacos mais próximos evolutivamente dos humanos)? Como o estudo da cultura humana pode nos indicar evidências da evolução humana?
Em busca das origens da arte, da religião e da ciência, o livro A Pré-História da Mente enfoca os seguintes temas: o drama do nosso passado; a arquitetura da mente moderna; símios, macacos e a mente do elo perdido; a mente do primeiro fabricante de instrumentos; as inteligências múltiplas da mente dos humanos arcaicos; o big bang da cultura humana - as origens da arte e da religião; como tudo aconteceu. E traz uma nova proposta para evolução da mente.

O autor, Steven Mithen, Arqueólogo especialista em Arqueologia Cognitiva.
Mithen propõe a evolução da mente humana através da recapitulação e do modelo catedrático da mente. A evolução da mente humana teria passado por três fases: 1) domínio geral; 2) domínio geral com módulos específicos independentes; 3) domínio geral com módulos específicos sob controle de um processador central.
Um livro de leitura muito agradável com belas ilustrações. Pode não agradar muito os religiosos, pois trava uma dúvida permanente das teorias evolutivas do homem que confrontam diretamente com algumas idéias religiosas.
O livro não é muito palatável para pessoas completamente leigas no assunto. É indicado para  biólogos, historiadores, geólogos, arqueólogos, psicólogos e áreas afins. Para estudantes de ensino médio pode ser um trampolim para o amor ou o ódio da teoria evolutiva.
O livro custa por volta de 60 reais, novo. É possível achá-lo em alguns sebos, porém não é muito comum.

domingo, 20 de julho de 2014

Quando a régua e o chicote se tornam pílulas: uma reflexão sobre o uso de nootrópicos no trabalho e ambiente escolar

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O consumo de nootrópiocos, as chamadas "smart drugs" ou ainda, cognitive enhancers ("melhoradores cognitivos") tem crescido exponencialmente no mundo, especialmente em ambientes escolares e no trabalho. Esses fármacos, cujos mais conhecidos e vendidos são o modafinil e metilfenidato (a "famosa" ritalina) possuem indicação clínica para doenças como transtorno de déficit de atenção e hiperatividade (TDAH) e narcolepsia.

Nesse artigo não entrarei no mérito de questionar o uso desses fármacos para esses fins nem para questionar a já questionada hisperdiagnose dessas doenças, em especial do TDAH em crianças. O objetivo aqui não é também questionar os possíveis malefícios ou até benefícios que essas drogas podem trazer, e sim apresentar questionamentos sobre o porquê esse uso sem indicação clínica tem crescido no mundo especialmente entre os mais jovens.

Nos espaços escolares mais tradicionais (a maioria) busca-se de maneira incessante alunos-modelo, os quais apresentar-se-iam como sujeitos calados, "bem comportados"  e que aprendem tudo o que o professor ensina. Aliado a isso, o crescimento da cultura universitária no Brasil gera novas demandas como o famigerado vestibular e, mais recentemente, o ENEM. Em ambos os concursos almeja-se notas maiores para buscar os cursos superiores tão desejados.

O fato é que o volume de conhecimento exigido por essas provas não são condizentes com o volume do conhecimento aprendido nas escolas brasileiras (e isso não se resume às públicas, mas também às privadas). A falta de tempo e a sensação de inabilidade dos estudantes em absorver todo o conhecimento necessário para ser aprovado na prova, geram altos níveis de estresse e ansiedade nesses jovens de ensino médio. Passado esse período turbulento e atingida a universidade, novas pressões (e até maiores) surgem. Esses estudantes hora aterrorizados por uma única prova anual são aterrorizados por dezenas de provas, monografias, apresentações, estágio (às vezes trabalho) em um único semestre. Aos que optam pela pós-graduação a realidade não é muito diferente. Além das disciplinas, leituras, experimentos, coleta de dados, congressos, etcs, a pressão por resultados e volume de publicações fazem com que os pós-graduandos temam também a sobrecarga e a falta de tempo para executar todas as tarefas (necessárias?).

No mercado de trabalho a cobrança por alta produtividade, números, vendas, produtos, cálculos, etc assombram os jovens adultos recém chegados no mercado de trabalho e aos mais experientes que se vêm ameaçados pela energia dos mais jovens em fazer mais em menos tempo.

Em cenários mais específicos, a escola é marcada por uma tentativa diária de formatação de mentes disfarçada de educação onde há bons e maus alunos, sendo esses os que não concordam com as regras impostas por um único indivíduo chamado de professor. Esses rebeldes, em geral possuem, as notas mais baixas e constituem o grupo rotulado como os "hiperativos". Seria esse aluno de fato hiperativo e com baixo rendimento por reais dificuldades de aprendizado ou o ambiente escolar que é desinteressante para pessoas desse perfil?
O uso de nootrópicos nesses estudantes provoca "bons resultados" no "aprendizado" desses estudantes, suas notas crescem e seu comportamento se adéqua a realidade imposta agradando aos pais, professores e àqueles senhores da indústria farmacêutica (que não para de crescer).

No mercado de trabalho, cada vez mais competitivo, os que atingem os maiores números em menor tempo são os laureados dessa vez. Ou seja, fazer muito é fazer melhor, não importando muito se o funcionário está satisfeito, se ele tem qualidade de vida e prazer em executar seu trabalho.
Em um passado, não muito distante, os professores formatavam seus alunos "à reguada", com duras punições físicas aos que não se portassem do jeito desejado.  Já no âmbito da produtividade, uma parcela dos trabalhadores forçados, os escravos, era dominada à chicotada com punições de tortura extrema aos rebeldes. Mais recentemente, corte de salários e demissões por justa causa assombram os que gostariam de se rebelar contra o âmbito repressor de algumas empresas.

O uso de fármacos para aumento da produtividade e sua boa receptividade por parte dos professores e empregadores se dá na mesma lógica de formatação de cérebros numa perspectiva menos (aparentemente) amedrontadora do que as duras punições físicas corriqueiras nos séculos passados, pois ela é, teoricamente, voluntária, afinal "só toma o remédio quem quer, não é mesmo?"
Quando então que tivemos a brilhante idéia de trocar os reforçadores negativos pelos positivos criando a falsa ilusão de que agora que temos a pílula da genialidade?  Daria um dedo para saber o que Skinner pensaria nesse momento.

As justificativas para o uso são diversas, mas todas baseadas no ter mais com menos. Será mesmo que nossa espécie é tão imperfeita a ponto de termos que esperar "as maravilhas da farmacologia" para consertar nosso erro biológico e que só agora, após 100 mil anos de existência, conseguimos ser mais adequados ao nosso espaço temporal?

Precisar de remédios para aumentar nossa produtividade, pois ela, teoricamente, está inadequada ao sistema, não deveria ser um sinal de alerta para refletirmos que sistema é esse ao invés de rendermo-nos a essa lógica produtivista?

Seríamos nós lentos demais ou sim o sistema que está muito acelerado? Seríamos nós que incapazes de aprender ou a escola que é muito desinteressante? Seríamos nós não aptos a memorizar todas as informações necessárias ou essas informações não são tão necessárias assim? Seríamos nós frágeis e incapazes de dar conta das jornadas de trabalho ou as jornadas de trabalho que estão inadequadas?
Viver em nosso tempo fisiológico natural por alguns anos e deixar de lado essa "corrida armamentista" e competitiva seria uma boa idéia para fazer um estudo observacional na tentativa de responder as perguntas acima e verificar se essas necessidades são tão necessárias assim.

Após isso quem sabe percebemos que de fato eu estava errado e a indústria farmacêutica estava certa e, de fato, salvou a humanidade  consertando-nos com suas réguas e chicotes moleculares.

sexta-feira, 6 de junho de 2014

Carta aberta ao Excelentíssimo presidente da FAPESP Celso Lafer



Caro Professor Celso Laffer,


Escrevo para contar minha história e manifestar profunda indignação com tamanho descaso ao pós-graduando Brasileiro.


É com muita tristeza que hoje, dia 5 de junho, vejo que a FAPESP não depositou, como de habitual, minha bolsa de doutorado. Motivo?

“2.4.3 Todo comprovante em tamanho A4 ou maior (ex.: DANFE, cotação de preço, consulta aos cadastros fiscais públicos), deverá ser apresentado na posição “retrato” (vertical), ordenado sequencialmente, de forma individual sem ser colado em outra folha de papel. Os comprovantes nesta situação não deverão ser colados ou grampeados em outra folha nem entre si.”

A interminável maratona da prestação de cotas é um desrespeito com os pesquisadores em especial com os pós-graduandos. Temos que perder dias de trabalho para anexar notas uma a uma colando-as em folhas numeradas A4. No entanto, não são todas as folhas que podem ser coladas na tal folha A4, algumas podem outras não. As notas maiores devem ser dobradas, mas não coladas; as páginas devem ser numeradas, e ninguém sabe informar como se numera as notas que não podem ser coladas. Enfim, uma verdadeira gincana do grampeia e cola.

Será que de fato mereço essa punição, por não cumprir essa norma? Seria ela de extrema importância na minha formação como doutor em ciências?

Obrigar uma mão de obra, teoricamente qualificada, desperdiçar seu tempo de trabalho realizando malabarismos burocráticos, não seria um surreal desperdício de dinheiro?

O pior, senhor Presidente, é saber que outros colegas, que mandaram a prestação igual à minha ou sequer identificaram as notas, tiveram suas prestações aprovadas. Ou seja, o processo além de patético é totalmente arbitrário.

Esse sistema parece partir do pressuposto que somos desonestos. Precisamos provar que não usamos o dinheiro indevidamente, quando, na prática, o senhor deve muito bem saber, os pesquisadores brasileiros comumente pagam de seu bolso para trabalhar.

Não é de hoje que conheço as famosas suspensões de pagamento por travamento de conta da FAPESP. Destaco que em nenhum emprego do mundo, no qual pessoas trabalham em condições mínimas de regulamentação, há a suspensão do pagamento aos trabalhadores. Sabe por que senhor presidente? Porque existem vidas por trás do trabalho.

É fato que existe a grande discussão sobre a pós-graduação não ser um emprego, mas sim um período de formação; concordo em partes com essa visão. No entanto, para obter uma bolsa de estudos na pós-graduação você deve ter dedicação exclusiva, ou seja, não pode buscar outras fontes de renda. Isso, automaticamente, não implicaria em compromisso, e de ambas as partes?

Em algum momento a FAPESP cogita a possibilidade de que um pós-graduando, que tem sua bolsa suspensa por tamanha e miserável burocracia, possa ter uma família? Filhos? Pais ou pessoas que dependem dessa fonte de renda?

É natural, e esperado, que com o acesso de pessoas de mais baixa renda às universidades públicas, surja o interesse delas pela pós-graduação e isso é excelente. Entretanto, parece-me, que ainda estamos num sistema de bolsas que privilegia os filhos da aristocracia burguesa, os quais podem dar-se o luxo de fazer pesquisa somente por prazer e não também como fonte de seu sustento.

Grande maioria dos diretores das agências de fomento acaba por se afastar realidade de seus alunos, isso é normal, pois são outras prioridades. Muitos, já são pesquisadores sênior, isto é, realizaram suas pós-graduações em outro tempo o qual não representa a atual realidade. Era um tempo em que fazer ciência no Brasil era muito difícil e muitos erros foram cometidos na gestão politico-científica do país. No entanto, citando genial frase do filósofo Vladimir Safatle “As gerações presentes não devem ser reféns das incapacidades das gerações passadas”. Portanto ouvir os jovens que fazem ciência no dia-a-dia “pondo mão na massa” é essencial para o desenvolvimento da mesma.

É um banho de água fria em um doutorando ficar sem sua bolsa faltando três meses para sua defesa, e que, para pagar seu aluguel suas contas, ects, precisará pedir empréstimo ao banco e criar dívida para superar as mazelas da burocracia.

Sinto-me hoje, dia 5 de junho de 2014, extremamente desrespeitado pela FAPESP, que jamais considerou que sempre me esforcei ao máximo para ser um aluno exemplar ao longo de toda minha pós-graduação. Os que me conhecem sabem que sempre fui um cientista apaixonado pelo que faço. Defensor ferrenho da ciência pública e de qualidade. Sou produtivo, faço colaborações – realizei 4 colaborações internacionais e 2 nacionais em nosso grupo, me envolvo em política científica e estou produzindo um trabalho sólido de 4 anos de pesquisa em meu doutorado.

Chegando ao fim doutorado, é comum estarmos cansados. No entanto, eu, curiosamente, estava até agora renovado. Voltei de um congresso dos EUA (financiado pela FAPESP e isso é louvável) com muitas idéias, novos contatos e logo qualifiquei. Estava animado de novo, escrevendo meus artigos analisando os dados e muito entusiasmado com o desfecho de minha pesquisa.

Tamanha é minha desmotivação, minha tristeza com esse sistema hoje, que escrevo não com intenção de implorar que me paguem, pois isso já foi, passou. Mas sim, para chamar a atenção para esse problema de tamanha gravidade. A suspensão de pagamento a um pós-graduando entristece, desmotiva e castra o desejo de seguir fazendo ciência em nosso país. Quantos pesquisadores brilhantes, amigos meus, tenho visto abandonar a ciência por conta das maratonas burocráticas e da desvalorização do pós-graduando.

E eu, que ânimo tenho agora em escrever minha tese sabendo que tenho uma dívida de 3 mil reais com o banco para pagar? Que vontade tenho de seguir em frente com cientista no Brasil tendo sido tão desrespeitado?

Mas eu resistirei. Hoje, mais do que nunca, tenho certeza que quero me tornar um cientista. Um cientista Brasileiro e que se orgulha de seu país. Eu resistirei ao sistema, senhor presidente, mas não me adequarei. Entrarei nele com mais vontade e sede de mudança.

Por hora, me cabe escrever ao senhor essa carta aberta, para que haja uma profunda reflexão sobre o que significa, humanisticamente falando, a suspensão de verbas por critérios absolutamente ilegítimos. Em especial as bolsas “salário” dos pós-graduandos, pois elas mantêm vidas, as quais não podem ser interrompidas por míseras folhas de papel.

Espero que essa história reverbere outras tantas, que sei que existem, e que a FAPESP, a qual sempre foi vanguarda na política de fomento a ciência acabe com esse retrocesso burocrata e desumano da suspensão de pagamento sem aviso e por questões dessa irrelevância.

Tudo isso, senhor presidente, é para criticar e lembrar que a burocracia é uma invenção, a vida das pessoas é a realidade.

Atenciosamente,


Douglas Engelke
Doutorando do programa de Pós-Graduação em Neurologia/Neurociências UNIFESP e bolsista FAPESP.

terça-feira, 22 de outubro de 2013

Cão de pesquisa que late não morde: uma reflexão sobre experimentação animal.


Foi com um espanto breve que me deparei com as notícias do “salvamento” dos Beagles  por ativistas da “causa animal”. Porém, foi com maior espanto, que me deparei com a reação de alguns dos meus colegas cientistas.

Quando digo que fiquei espantado com a atitude dos meus colegas cientistas explico. Sendo pesquisadores, muito professores, devemos ter a responsabilidade de ser o acesso a informação. Ao responder com “não tomem mais remédios!”, “vocês querem testar em vocês mesmos, ou em suas mães”, os pesquisadores rompem com qualquer possibilidade de diálogo com pessoas que apenas estão preocupadas com os “cãezinhos fofinhos”.

No meio das “manifestações” não há apenas pessoas envolvidas nos movimento mais extremistas. Há sim pessoas ingênuas e sem conhecimento de como é o método científico (que acredito ser a grande maioria). Nesse sentido, esperaria um pouco mais de maturidade e menos soberba dos cientistas brasileiros. Nós deveríamos procurar ser amados e admirados pela população em geral e não odiados. Deveríamos ser os heróis e não os vilões.

Como cientistas, e “seguidores” do método, não podemos esquecer que uma pergunta surge de uma observação. E é nessa etapa que vejo que paramos no tempo. O que esta por trás da atitude dos defensores dos cães? Porque essas pessoas estão revoltados com os cientistas?
Relembro uma célebre frase do Sagan que ele diz que “as pessoas aceitam os produtos da ciência, mas rejeitam seus métodos”. Ou seja, qual a origem disso? “Ignorância”, como alguns colegas citam? Todo e qualquer adjetivo pejorativo afasta o cientista da sociedade, aliás, já estamos afastados faz tempo, a prova é que estamos, hoje, sendo considerados monstros pela população, a qual prefere ouvir os artistas globais aos pesquisadores e seus pontos de vista.

Além disso, não vejo nada de mal em sermos criticados por essas pessoas. São opiniões. Não é só o pensamento científico que é 'A' verdade. Não quero que me enquadrem como pseudocientista (basta de tachações) por dizer isso, mas penso que está na hora da ciência ser menos soberba. Esses comportamentos arrogantes nos afastam das pessoas e fazem com que elas se afastem da gente.

Em um país onde praticamente 100% da pesquisa é financiada com dinheiro público, deveríamos estar muito mais interessados em dar um feedback  para a população do que pura e simplesmente satisfazer nosso ego “publicionista”.

Os movimentos pró “libertação animal” têm um papel fundamental em nossa sociedade, por mais que eu discorde de seus pontos de vista e ações violentas (as vezes). O número de animais utilizados em pesquisa e ensino diminuiu muito ao longo dos anos e isso se deve, em parte ao menos, a existência desses grupos. Em uma sociedade capitalista alienante, os extremos sempre se fazem necessários para dar luz aos erros de nosso dia-a-dia.

Precisamos ainda de pesquisa com modelos animais? Sim. Mas negar que podemos fazer melhor é tão religioso quanto dizer que não precisamos de nenhuma dessas pesquisas. Como cientistas devemos sempre questionar nossos métodos, refinar, ampliar a tecnologia e reduzir SEMPRE o uso de animais em nossos experimentos.

A ignorância não passa apenas pelo lado do minha tia avó, sem estudo, mas que gosta de cachorros. Ela está, e em sua pior forma, em posicionamentos soberbos e arrogantes dos pesquisadores contra os defensores dos animais. É nosso DEVER dar nosso PONTO DE VISTA para as pessoas, da melhor maneira possível para que elas entendam (pode ser que não concordem, isso faz parte de uma sociedade democrática).

Concluindo, esse é um texto de um biólogo neurocientista experimental (que vem realizando esse trabalho à alguns anos), que pensa ser sim necessária, ainda hoje, a pesquisa experimental em modelos animais. No entanto, é o texto de um cientista que entende que devemos sempre questionar o valor, rigor e mérito científico de nossos trabalhos em experimentação animal. Será que todo o trabalho, pelo simples fato de estar publicado ou seguir o método científico automaticamente justifica o uso de animais. Em que condições esses trabalhos foram REALMENTE conduzidos? Estou eu sendo ético com os animais do meu experimento? Devemos SEMPRE questionar isso. Diariamente. Caso contrário estamos dando razão e legitimidade para ações como essa contra o Instituto Royal (por mais que essa tenha sido equivocada).

Finalizo com um apelo aos manifestantes: tragam suas ideias para gente, deixe-nos ouvir vocês com calma e inteligência. Faço o apelo aos colegas cientistas: ouçam, com calma e inteligência as pessoas que clamam pela "liberação animal". Afinal de contas, não é o nosso sonho também um dia não precisar mais usá-los em nossas pesquisas? Somente assim, com diálogo entre as partes, nós cientistas seremos capaz de refinar cada vez mais nossos métodos e, ainda assim, seguir inovando e melhorando nossa sociedade e fornecendo as tecnologias e os produtos que vocês diariamente também utilizam.

Douglas Senna Engelke

(Neurocientista)  

sexta-feira, 2 de agosto de 2013

Carta de Repúdio à mesa da SBPC

Após contato com a SBPC e site G1, sem sucesso, venho por intermédito de uma sociedade associada a SBPC e que tem um canal de expressão democrático disponível a todos os sócios, manifestar MINHA OPINIÃO PESSOAL.
Como sócio da SBPC venho aqui manifestar meu total desacordo com postura apresentada pelos senhores Laranjeira, Roselli e Asinelli apresentada na mesa:
“Dependência de drogas: o enfrentamento que queremos”. Não é de hoje que acompanho embasbacado a postura retrógrada, medieval e obscurantista do senhor Ronaldo Laranjeira que, diga-se de passagem, já provou por diversas vezes, em público, total despreparo e desconhecimento da causa que defende. Aproveita-se do título de professor doutor, da cátedra acadêmica para se intitular cientista e de sua prática como médico psiquiatra, para prestar um desserviço à ciência brasileira. Quando vai à mídia despeja turbilhões de inverdades científicas. Recentemente em sua entrevista no programa Roda Viva (pode ser vista no link), fica evidente tamanho despreparo ao debater com a senhora Ilona, pesquisadora idônea de postura bem fundamentada representante do Instituto Igarapé e da Rede Pense Livre. Laranjeira inventa dados sobre o consumo de maconha no estado do Colorado, nega os milhares de artigos científicos apontando o potencial medicinal da Cannabis sativa e se contradiz.
Mais surpreendente é o editorial recentemente publicado no prestigiado periódico Addiction no qual apresenta postura COMPLETAMENTE oposta (e que concordo inclusive) ao que vem defendendo há anos na mídia, nos cargos que atua no município de São Paulo bem como no estado e nos parcos de bates que participa. No editorial: “Compulsory detention, forced detoxification and enforced labour are not ethically acceptable or effective ways to treat addiction” Addiction. volume 107, Issue 11, pages 1891–1893, November 2012; destaco o parágrafo:
Compulsory detention of addicted individuals has either been abandoned or fallen into disuse in most developed countries for two main reasons. First, it failed to treat addiction effectively, with most people detained returning to drug use after release. Secondly, this approach has been criticized for violating the human rights of drug users. The few developed countries that still detain addicted people compulsorily—such as Russia and Sweden do so in the absence of rigorous evaluations of the efficacy or safety of this approach.”
 Ainda, na reportagem do site G1, reproduzida pelo Jornal da Ciência (e-mail), apresenta um discurso que contradiz a si próprio evidenciado a falta de discernimento entre liberação e legalização. Quando fala sobre o cigarro – Não vamos convencer alguém a parar de fumar, mas criar constrangimentos sociais para evitar que ele fume, como leis que restringem locais para fumantes. Atuar também no preço e promoção do produto” está defendendo uma política regulatória, na qual é evidente que só pode ser feita com uma droga legalizada, isto é trazida para a lei, podendo assim ser regulada.
Na mesa da SBPC os três senhores fizeram o popular “chover no molhado” onde falaram, falaram, e não disseram absolutamente nada. Criticam as políticas públicas, falam em prevenção e combate, jamais apresentando qualquer estratégia inovadora.
Por essas e outras tantas me envergonha que a SBPC, sigla na qual o ‘P’ refere-se à Progresso, tenha aceitado uma mesa com esses três senhores que não possuem um pingo de progresso em seu discurso conservador.
Graças à postura de senhores como Ronaldo Laranjeira, a ciência brasileira está 50 anos atrasada na pesquisa de drogas. É impossível importar psicofármacos para pesquisa científica no Brasil e isso é um reflexo da política proibicionista medieval que temos nesse país.
Endossar a visão desse senhor que se diz cientista é um tiro no pé do progresso preconizado pela SBPC. Um homem que mente, inventa dados e se contradiz o tempo todo não pode estar representando a SBPC no CONAD (o qual outrora foi representada pelo nobre e de caráter inquestionável Professor Elisaldo Carlini). Laranjeira sequer sabe o nome da entidade o qual é conselheiro; em seu Lattes diz ser conselheiro do “Conselho Nacional AntiDrogas”, nome antigo da entidade (agora chamada de Conselho Nacional de Políticas sobre Drogas). Isso só demonstra mais uma vez o quão desatualizado esse senhor é.
 Finalizando, peço em meu nome e de quem mais abaixo assinar o desligamento imediato de Ronaldo Laranjeira da SBPC, como conselheiro e como membro, tendo em vista todos os conflitos de interesse que esse senhor tem com a proibição das drogas responsável pelo aumento diário do crime e da morte indo totalmente contra ao Progresso proposto pela nossa SBPC.
Atenciosamente,

Douglas Senna Engelke
Doutorando em Neurologia/Neurociências pela UNIFESP.

quarta-feira, 31 de julho de 2013

Uma carta de condolência e meus pêsames aos médicos e estudantes de medicina





Caros médicos e aspirantes a:

Há anos convivo diariamente com vocês seja como paciente, colega e professor e incontáveis são minhas decepções. Péssimo atendimento, falta de conhecimento básico e, especialmente, falta de trato com um ser humano, são as mais presentes.
No entanto venho hoje me aliar a vocês e prestar minha indignação. Vocês são vitimas. Sim vítimas.
Não é culpa de vocês, não saber nada de mecanismos de ação de medicamentos [e por vezes se orgulhar disso, (“o importante é saber que funciona”, reforçam com uma boa gargalhada “ahahaha”)]. As disciplinas básicas do curso médico são ridicularizadas e deixadas de lado. Não há reprovação “por tradição”, como já ouvi da boca de diretor de faculdade de medicina, nas disciplinas básicas.
Não é culpa de vocês, que a medicina é tecnocrata e não sabe trabalhar sem tecnologia. Vocês não são ensinados que 40% das doenças são psicossomáticas e que bastaria ouvir os pacientes e dar um pouco de atenção a eles para que eles se sentissem melhor. Também não são ensinados que a adesão ao tratamento cai em até 70% se o paciente não tem empatia pelo médico. Nem que o sistema imunológico está diretamente conectado ao emocional e que o estresse passado por um mal atendimento pode acarretar na piora do paciente. Aliás, o problema vem antes.
Aaahh essas faculdades que não falam que vocês devem tratar o ser humano e não os órgãos que lhe recheiam... A culpa não é de vocês que foram doutrinados por 6 anos a achar que são pessoas diferenciadas, mais importantes que todos os outros profissionais. A culpa não e de vocês, por não se atualizar nos novos tratamentos através de artigos científicos, mas sim através dos panfletos que as indústrias farmacêuticas distribuem junto com as propostas de viagens luxuosas para congressos internacionais com tudo pago em Resorts maravilhosos. A culpa não é de vocês por não querer sair dos grandes centros e de não querer trabalhar em saúde púbica. Vocês não são ensinados na faculdade que a saúde não é produto. Aliás não são ensinados que saúde não é ausência de doença. Vocês estudam a cura e não a prevenção. A culpa não e de vocês....
È por essas e outras tantas, que me solidarizo a vocês que ao longo de 6 anos de faculdade, mais 4 anos de residência (que nessa nem entrarei em detalhes) têm passado por um processo de militarização da mente e de lavagem cerebral. A culpa não é de vocês...
A culpa é de um sistema capitalista escroto que preparam vocês para o mercado de trabalho, mas se esquece que a profissão de médico não é qualquer profissão. De fato não é (não se sintam mais importantes por isso, ta?). A profissão de médico não deveria atender as demandas do mercado, pois quando pensando em mercado, pensamos em lucro e é nesse lucro que o sistema está interessado. É esse sistema que financia a medicina mundial hoje. O sistema das indústrias da doença, o sistema que doutrina os médicos de consultórios a prescreverem os medicamentos deles e não se preocuparem com prevenção. Prevenção não da lucro. Saúde também não. Se nosso povo soubesse se tratar, se prevenir, quem iria nos consultórios? Quem pagaria os planos de saúde? Não é culpa de vocês amigos, vocês forem ensinados, treinados a isso. Treinados por uma escola mercantilista de pessoas  muito ruins, que se venderam para um sistema que só quer saber da ausência de doença, ou , pior ainda, no mascaramento dos sintomas, pois vende mais e por mais tempo. É esse mesmo sistema que facilita o acesso aos medicamentos que vocês tanto acreditam e se auto-prescrevem. É crescente o número de médicos dependentes de medicamentos dos mais diversos, de antidepressivos, benzodiazepínicos e psicoestimulantes se mantendo acordados para dar mais plantões e ganhar mais e mais dinheiro. É isso que o mercado quer, que vocês ganhem dinheiro, Gostem de dinheiro, de luxo, de status. E com isso produzam mais dinheiro para indústria da doença. Mesmo que isso lhes custe SUA própria vida. SUA humanidade. SUA saúde.
Finalizando, acredito que mesmo após todo esse doutrinamento, ainda existe um ser humano dentro de todos vocês. Por mais que o cérebro esteja bem treinado e seduzido para o mercado do lucro e da doença e as idéias humanistas bem lavadas.
Olhem para os olhos de seus pacientes. Aliás, olhem para os olhos das PESSOAS que pedem ajuda a vocês. Saibam o nome delas, nem que seja por alguns instantes. Pensem que atrás daqueles corpos recheado de órgãos com doenças, existe uma história, uma família, amores, dores, alegrias, tristezas, Percebam que eles são HUMANOS e ser um humano é muito mais do que ser pedaços de carne que recheiam uma carcaça. Lembrem que vocês também são seres humanos que têm uma história, uma família, amores, dores, alegrias, tristezas. Sei que vocês são capazes de mandar o sistema que doutrinou vocês para o mau ás favas. Fazendo isso, muitos dos problemas que vocês enfrentam se acabarão e vocês voltarão a enxergar a vida mais colorida e menos preta e branca.
(Aliás, porque os jalecos não são coloridos mesmo? É tão mais bonito!)

sexta-feira, 21 de junho de 2013

Os Três ‘Rs’ do V de Vinagre:

Primeiramente, para fins de esclarecimento, esse texto não parte de um historiador nem de um sociólogo especialista no assunto, mas de um biólogo, pesquisador e educador que milita no movimento estudantil há mais de 10 anos; e é com essa percepção que avaliarei o atual momento no Brasil. Peço desculpas de antemão, pelo excesso de aspas, mas elas aqui se fazem muito necessárias.

Participei das manifestações em São Paulo, de duas especificamente, a mais violenta de quinta feira e a mais esperançosa de segunda, a qual reuniu dezenas de milhares de pessoas. Confesso que, como militante acostumado a ir a passeatas com 100, 200 pessoas e tomar borrachadas aleatórias da polícia, me emergiu um sentimento de esperança. Meus olhos se encheram d’água diversas vezes e achei que havia chegado o momento da minha tão sonhada Revolução.

A mesma segunda que me esperançou, me preocupou. Manifestantes que queriam fazer seu pixo sendo duramente (e fisicamente) reprimidos por outros manifestantes, um espírito nacionalista, que, em outros tempos, sabemos onde levou...

Pessoas gritam que é sem vandalismo, sem violências, mas reprimem fisicamente (socos e pontapés) um “pixador”? Que sociedade é essa que coloca objetos inanimados na frente da integridade física de um ser humano? Desculpe, essa “não me representa”!

Tenho claro que estamos com três Rs pairando no ar e ninguém tem claro qual deles queremos agarrar. Revolução, Reforma e Revolta.

Revolução: é isso que queremos? Se queremos isso, acho que perdemos o timing. Segunda era para ser o dia da revolução, tomar o palácio mesmo, ocupar os prédios públicos e lá ficarmos, declararmos o poder popular, “quebrar tudo” mesmo, com “violência”, não há revolução sem violência, nem que seja uma violência contra o “tão importante” patrimônio. Isso é revolução! Desconstruir para reconstruir melhor com a “nossa cara”. Para isso, precisamos de líderes. Caso contrário, estamos falando em Reforma.

Na reforma não há necessidade de “violência”, a cosia é mais “pacífica”, mas alteram-se poucos tijolos, algumas cores, mas a estrutura continua a mesma, sem grandes mudanças.

Na verdade o que vivemos hoje, infelizmente, é o terceiro erre: Revolta. A revolta é produto de uma raiva, insatisfação, confusão mental por algo que incomoda, mas não se sabe o que. Temos vontade de gritar, berrar, ir contra tudo e todos, pois estamos revoltados, não sabemos muito bem com o que, mas estamos lutando contra.  A revolta é um sentimento muito comum em adolescentes. Adolescentes revoltados, que amadurecem, podem se tornar grandes revolucionários ou meros reformistas (ou até mesmo conformista, mas isso é outro tópico...).

Finalizando, o bebê gigante acordou. Sim. Cresceu rápido até. Mamou, fez estripulias de criança, tomou umas palmadas duras e virou um adolescente revoltado.


Por hora, saio das ruas e trabalharei ajudando o adolescente crescer...