Foi com um espanto breve que me deparei com as notícias do
“salvamento” dos Beagles por ativistas da
“causa animal”. Porém, foi com maior espanto, que me deparei com a reação de
alguns dos meus colegas cientistas.
Quando digo que fiquei espantado com a atitude dos meus
colegas cientistas explico. Sendo pesquisadores, muito professores, devemos ter
a responsabilidade de ser o acesso a informação. Ao responder com “não tomem
mais remédios!”, “vocês querem testar em vocês mesmos, ou em suas mães”, os
pesquisadores rompem com qualquer possibilidade de diálogo com pessoas que apenas
estão preocupadas com os “cãezinhos fofinhos”.
No meio das “manifestações” não há apenas pessoas envolvidas
nos movimento mais extremistas. Há sim pessoas ingênuas e sem conhecimento de
como é o método científico (que acredito ser a grande maioria). Nesse sentido, esperaria um pouco mais de maturidade e menos
soberba dos cientistas brasileiros. Nós deveríamos procurar ser amados e
admirados pela população em geral e não odiados. Deveríamos ser os heróis e não
os vilões.
Como cientistas, e “seguidores” do método, não podemos
esquecer que uma pergunta surge de uma observação. E é nessa etapa que vejo que
paramos no tempo. O que esta por trás da atitude dos defensores dos cães?
Porque essas pessoas estão revoltados com os cientistas?
Relembro uma célebre frase do Sagan que ele diz que “as pessoas
aceitam os produtos da ciência, mas rejeitam seus métodos”. Ou seja, qual a
origem disso? “Ignorância”, como alguns colegas citam? Todo e qualquer adjetivo pejorativo afasta o cientista da sociedade, aliás, já estamos afastados faz
tempo, a prova é que estamos, hoje, sendo considerados monstros pela população,
a qual prefere ouvir os artistas globais aos pesquisadores e seus pontos de
vista.
Além disso, não vejo nada de mal em sermos criticados por
essas pessoas. São opiniões. Não é só o pensamento científico que é 'A' verdade.
Não quero que me enquadrem como pseudocientista (basta de tachações) por dizer isso, mas penso que
está na hora da ciência ser menos soberba. Esses comportamentos arrogantes nos
afastam das pessoas e fazem com que elas se afastem da gente.
Em um país onde praticamente 100% da pesquisa é financiada
com dinheiro público, deveríamos estar muito mais interessados em dar um feedback para a população do que pura e simplesmente
satisfazer nosso ego “publicionista”.
Os movimentos pró “libertação animal” têm um papel fundamental
em nossa sociedade, por mais que eu discorde de seus pontos de vista e ações
violentas (as vezes). O número de animais utilizados em pesquisa e ensino
diminuiu muito ao longo dos anos e isso se deve, em parte ao menos, a
existência desses grupos. Em uma sociedade capitalista alienante, os extremos
sempre se fazem necessários para dar luz aos erros de nosso dia-a-dia.
Precisamos ainda de pesquisa com modelos animais? Sim. Mas
negar que podemos fazer melhor é tão religioso quanto dizer que não precisamos
de nenhuma dessas pesquisas. Como cientistas devemos sempre questionar nossos
métodos, refinar, ampliar a tecnologia e reduzir SEMPRE o uso de animais em
nossos experimentos.
A ignorância não passa apenas pelo lado do minha tia avó,
sem estudo, mas que gosta de cachorros. Ela está, e em sua pior forma, em posicionamentos
soberbos e arrogantes dos pesquisadores contra os defensores dos animais. É nosso
DEVER dar nosso PONTO DE VISTA para as pessoas, da melhor maneira possível para
que elas entendam (pode ser que não concordem, isso faz parte de uma
sociedade democrática).
Concluindo, esse é um texto de um biólogo neurocientista
experimental (que vem realizando esse trabalho à alguns anos), que pensa ser
sim necessária, ainda hoje, a pesquisa experimental em modelos animais. No
entanto, é o texto de um cientista que entende que devemos sempre
questionar o valor, rigor e mérito científico de nossos trabalhos em
experimentação animal. Será que todo o trabalho, pelo simples fato de estar
publicado ou seguir o método científico automaticamente justifica o uso de animais. Em que condições esses trabalhos foram REALMENTE conduzidos? Estou eu sendo ético com os animais do meu experimento? Devemos SEMPRE questionar isso. Diariamente. Caso contrário estamos dando razão e legitimidade para ações como essa contra o Instituto Royal (por mais que essa tenha sido equivocada).
Finalizo com um apelo
aos manifestantes: tragam suas ideias para gente, deixe-nos ouvir vocês com calma e inteligência. Faço o apelo aos colegas cientistas: ouçam, com calma e inteligência as pessoas que clamam pela "liberação animal". Afinal de contas, não é o nosso sonho também um dia não precisar mais usá-los em nossas pesquisas? Somente assim, com diálogo entre as partes, nós cientistas seremos capaz de refinar
cada vez mais nossos métodos e, ainda assim, seguir inovando e melhorando nossa
sociedade e fornecendo as tecnologias e os produtos que vocês diariamente
também utilizam.
Douglas Senna Engelke
(Neurocientista)
6 comentários:
Douglas,
Muito bom seu post, parabéns.
Concordo que devemos nos comprometer mais com a compreensão pública da ciência. Acho muito perigoso uma ciência (e um cientista!)que não conversa com as pessoas. Quem faz uso dos "produtos da ciência" (conhecimento, tecnologias) são as pessoas comuns e por isso quando um cientista não se preocupa/envolve com divulgação científica e ensino de ciência ele está "dando um tiro no pé".
Creio, entretanto, que muitas organizações de defesa animal, em razão da forma agressiva que agem, devem receber respostas bem firmes. Uma dessas organizações, por exemplo, anda fazendo montagens para criar fotografias de animais com aparência horrível, divulgando que foram vítimas de laboratórios. Quando esses grupos se manifestarem de forma agressiva ou mentirosa, devemos responde com firmeza, ainda que com respeito e procurando explicar como as coisas funcionam.
E de fato, cientistas e defensores dos animais são uma parcela ínfima da população, existem "os outros", e é pelo pensamento deste que eu me interesso, e acho que especialmente com eles que temos que dialogar. Mais que cientistas e ativistas, são as pessoas de uma forma geral que podem, e devem, dizer o rumo das coisas.
Disso tudo só tenho uma certeza: a educação (sempre ela!) é o melhor caminho para esses desafios que o mundo nos impõe.
É preciso que nós cientista deixemos de sermos arrogantes.
É hora de entrar no debate e não mais se esconder do debate.
Muito bom Douglas a sua sensatez!
Partilho aqui o link para um post sobre este caso, num blog em português (do outro lado do Atlântico) de autores com uma ligação profissional ao mundo animal.
Animalogos
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