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O consumo de nootrópiocos, as
chamadas "smart drugs" ou
ainda, cognitive enhancers ("melhoradores
cognitivos") tem crescido exponencialmente no mundo, especialmente em
ambientes escolares e no trabalho. Esses fármacos, cujos mais conhecidos e
vendidos são o modafinil e metilfenidato (a "famosa" ritalina)
possuem indicação clínica para doenças como transtorno de déficit de atenção e
hiperatividade (TDAH) e narcolepsia.
Nesse artigo não entrarei no
mérito de questionar o uso desses fármacos para esses fins nem para questionar
a já questionada hisperdiagnose dessas doenças, em especial do TDAH em
crianças. O objetivo aqui não é também questionar os possíveis malefícios ou até
benefícios que essas drogas podem trazer, e sim apresentar questionamentos
sobre o porquê esse uso sem indicação clínica tem crescido no mundo
especialmente entre os mais jovens.
Nos espaços escolares mais
tradicionais (a maioria) busca-se de maneira incessante alunos-modelo, os quais
apresentar-se-iam como sujeitos calados, "bem comportados" e que aprendem tudo o que o professor ensina.
Aliado a isso, o crescimento da cultura universitária no Brasil gera novas
demandas como o famigerado vestibular e, mais recentemente, o ENEM. Em ambos os
concursos almeja-se notas maiores para buscar os cursos superiores tão desejados.
O fato é que o volume de conhecimento
exigido por essas provas não são condizentes com o volume do conhecimento aprendido
nas escolas brasileiras (e isso não se resume às públicas, mas também às
privadas). A falta de tempo e a sensação de inabilidade dos estudantes em
absorver todo o conhecimento necessário para ser aprovado na prova, geram altos
níveis de estresse e ansiedade nesses jovens de ensino médio. Passado esse período
turbulento e atingida a universidade, novas pressões (e até maiores) surgem. Esses
estudantes hora aterrorizados por uma única prova anual são aterrorizados por
dezenas de provas, monografias, apresentações, estágio (às vezes trabalho) em um
único semestre. Aos que optam pela pós-graduação a realidade não é muito
diferente. Além das disciplinas, leituras, experimentos, coleta de dados,
congressos, etcs, a pressão por resultados e volume de publicações fazem com
que os pós-graduandos temam também a sobrecarga e a falta de tempo para
executar todas as tarefas (necessárias?).
No mercado de trabalho a cobrança
por alta produtividade, números, vendas, produtos, cálculos, etc assombram os jovens
adultos recém chegados no mercado de trabalho e aos mais experientes que se vêm
ameaçados pela energia dos mais jovens em fazer mais em menos tempo.
Em cenários mais específicos, a
escola é marcada por uma tentativa diária de formatação de mentes disfarçada de
educação onde há bons e maus alunos, sendo esses os que não concordam com as
regras impostas por um único indivíduo chamado de professor. Esses rebeldes, em
geral possuem, as notas mais baixas e constituem o grupo rotulado como os
"hiperativos". Seria esse aluno de fato hiperativo e com baixo
rendimento por reais dificuldades de aprendizado ou o ambiente escolar que é
desinteressante para pessoas desse perfil?
O uso de nootrópicos nesses estudantes
provoca "bons resultados" no "aprendizado" desses
estudantes, suas notas crescem e seu comportamento se adéqua a realidade
imposta agradando aos pais, professores e àqueles senhores da indústria
farmacêutica (que não para de crescer).
No mercado de trabalho, cada vez mais
competitivo, os que atingem os maiores números em menor tempo são os laureados
dessa vez. Ou seja, fazer muito é fazer melhor, não importando muito se o
funcionário está satisfeito, se ele tem qualidade de vida e prazer em executar seu
trabalho.
Em um passado, não muito distante,
os professores formatavam seus alunos "à reguada", com duras punições
físicas aos que não se portassem do jeito desejado. Já no âmbito da produtividade, uma parcela dos
trabalhadores forçados, os escravos, era dominada à chicotada com punições de
tortura extrema aos rebeldes. Mais recentemente, corte de salários e demissões
por justa causa assombram os que gostariam de se rebelar contra o âmbito
repressor de algumas empresas.
O uso de fármacos para aumento da
produtividade e sua boa receptividade por parte dos professores e empregadores
se dá na mesma lógica de formatação de cérebros numa perspectiva menos (aparentemente)
amedrontadora do que as duras punições físicas corriqueiras nos séculos
passados, pois ela é, teoricamente, voluntária, afinal "só toma o remédio
quem quer, não é mesmo?"
Quando então que tivemos a
brilhante idéia de trocar os reforçadores negativos pelos positivos criando a
falsa ilusão de que agora que temos a pílula da genialidade? Daria um dedo para saber o que Skinner pensaria
nesse momento.
As justificativas para o uso são
diversas, mas todas baseadas no ter mais com menos. Será mesmo que nossa espécie
é tão imperfeita a ponto de termos que esperar "as maravilhas da farmacologia"
para consertar nosso erro biológico e que só agora, após 100 mil anos de existência,
conseguimos ser mais adequados ao nosso espaço temporal?
Precisar de remédios para
aumentar nossa produtividade, pois ela, teoricamente, está inadequada ao
sistema, não deveria ser um sinal de alerta para refletirmos que sistema é esse
ao invés de rendermo-nos a essa lógica produtivista?
Seríamos nós lentos demais ou sim
o sistema que está muito acelerado? Seríamos nós que incapazes de aprender ou a
escola que é muito desinteressante? Seríamos nós não aptos a memorizar todas as
informações necessárias ou essas informações não são tão necessárias assim? Seríamos
nós frágeis e incapazes de dar conta das jornadas de trabalho ou as jornadas de
trabalho que estão inadequadas?
Viver em nosso tempo fisiológico natural por alguns anos e
deixar de lado essa "corrida armamentista" e competitiva seria uma
boa idéia para fazer um estudo observacional na tentativa de responder as
perguntas acima e verificar se essas necessidades são tão necessárias assim.
Após isso quem sabe
percebemos que de fato eu estava errado e a indústria farmacêutica estava certa
e, de fato, salvou a humanidade consertando-nos com suas réguas e chicotes
moleculares.